quarta-feira, 3 de março de 2010

Osho - Política, Religião e Espiritualidade


Política, Religião e Espiritualidade.

Há a possibilidade de um acordar coletivo?

Ichazo avalia que nossa cultura, toda a sociedade, está agora elevando sua consciência, que não estamos mais numa viagem individual, mas que toda a humanidade está começando a acordar. E ele diz que a visão utópica da humanidade como uma enorme família, agora, é uma necessidade prática.

É assim que a política entra na religião. E isso não é nada novo. Através das eras, há pessoas dizendo isso repetidamente. É assim que o fascismo entra na religião. É isso o que Friedrich Nietzsche estava dizendo e foi ele quem deu origem a Adolf Hitler e à sua filosofia. Ele estava dizendo que a humanidade tinha chegado a um ponto onde iria entrar numa nova arena, a arena da super-humanidade, dos super-homens.

Era isso o que Sri Aurobindo estava dizendo na Índia – ele era basicamente um político e permaneceu um político até o fim. Ele também estava dizendo que tínhamos chegado a um ponto onde um "esforço coletivo", não um esforço individual, era necessário.

Lembrem-se de que essas idéias de "esforço coletivo" são perigosas. É assim que os políticos entram na religião. A religião é completamente individual e permanecerá individual. Somente o indivíduo pode meditar. Quando você medita, você desaparece do mundo coletivo. Se você começa a meditar aqui com quinhentas pessoas, você pode começar com quinhentas pessoas, mas, no momento em que você entra em meditação, você está sozinho. Os demais quatrocentos e noventa e nove não existem mais. Meditação é um movimento em tremenda solitude. Não tem nada a ver com o coletivo. Vocês podem meditar juntos, mas quando você entra na meditação, você está sozinho.

Três palavras têm de ser compreendidas: o coletivo, o individual e o universal. Ichazo continua fazendo confusão entre o universal e o coletivo. O indivíduo está no meio, o coletivo está abaixo do indivíduo, e o universal está acima do indivíduo. Se o indivíduo se torna parte da coletividade, ele perde algo, ele não mais está consciente como estava antes, ele não mais está alerta. Eis por que numa multidão você não é mais tão responsável quanto você era quando estava sozinho. Uma multidão pode cometer grandes pecados. Numa multidão, você não sente responsabilidade. O coletivo é mais baixo do que o indivíduo – todos os grandes pecados da história podem ser atribuídos ao coletivo. O indivíduo é muito melhor do que o coletivo.

Você vê uma turba queimando um templo hindu ou uma mesquita muçulmana. Se você pegar cada indivíduo da turba e perguntar, ele dirá: “Eu realmente não queria fazer aquilo, mas outras pessoas estavam fazendo e eu estava apenas parado ali; então, eu entrei naquilo.”. Nenhum muçulmano individualmente será capaz de dizer de peito aberto que ele fez uma grande coisa, um trabalho e tanto, algo religioso ao queimar um templo hindu. E nenhum hindu dirá que fez uma grande coisa ao matar um muçulmano ou ao queimar uma mesquita.

Você também pode ter sentido isso. Em uma multidão você se torna mais baixo do que comumente você é. Em uma multidão, você se torna mais servil, você se torna mais baixo: você fica mais animal do que humano. O coletivo é animal, o indivíduo é humano e o universal é divino. Quando uma pessoa entra na meditação, ela não se torna parte do coletivo, ela se torna dissolvida no universal que é um ponto mais alto do que o próprio indivíduo.

Mas os políticos sempre falam do coletivo. Eles estão sempre interessados em mudar a sociedade – porque, ao mudar a sociedade, ao fazer esforços para mudar a sociedade e a estrutura da sociedade e mais isso e mais aquilo, eles se tornam poderosos. A sociedade nunca foi mudada. Ela permanece a mesma – a mesma coisa corrompida. E ela permanecerá o mesmo, a menos que seja compreendido que toda consciência acontece no indivíduo. E, quando acontece, o indivíduo torna-se universal. Se acontecer a muitos indivíduos, então, a sociedade muda – mas não como uma coisa social, não coletivamente.

Deixe-me explicar isso a vocês. Há quinhentas pessoas aqui. Vocês não podem ser transformados como uma unidade coletiva, não há meios. Você não pode ser feito divino como uma unidade coletiva, não há meio. Suas almas são individuais, suas consciências são individuais.

Mas, se dessas quinhentas pessoas, trezentas forem transformadas, então, toda a coletividade terá uma nova qualidade. Mas essas trezentas pessoas passarão por mudanças individuais, por mutações individuais. Então, o coletivo terá uma consciência mais alta, porque essas trezentas pessoas estão jorrando suas consciências no coletivo, elas estão presentes.

Quando um homem se torna um buda, toda a existência torna-se um pouco mais acordada – só por sua presença. Mesmo que ele seja uma gota no oceano, então também, o oceano, pelo menos no que tange a uma gota, está mais alerta, mais consciente. Quando essa gota desaparece no oceano, ela eleva a qualidade do oceano. Cada indivíduo ao ser transformado muda a sociedade. Quando muitos e muitos indivíduos são transformados, a sociedade muda. Esse é único meio de mudá-la, não o contrário.

Você não pode mudar a sociedade. Se você quiser mudar a sociedade diretamente, seu esforço é político. Ichazo deve estar se tornando político. Isso acontece. Quando você começa a ficar religiosamente poderoso, quando você começa a conduzir muitas pessoas, quando você se torna um líder, então, grandes idéias começam a acontecer na mente. Então, a mente diz que “agora, toda a humanidade pode ser mudada”, “agora podemos planejar uma grande mudança de toda a humanidade”. Então, a avareza cresce, a ambição cresce, o ego espera. Isso tem acontecido sempre e isso acontecerá sempre. Cuidado com isso.

Nunca se torne uma vítima da idéia do coletivo; o coletivo é mais baixo do que você. Você tem de se tornar universal. O universal não é social, o universal é existencial. Você tem de se sintonizar com o todo da existência, tem de se deixar ligar à dança do universo – não ao social, não a pequenas comunidades ou seitas, não a cristãos e hindus e muçulmanos, não à terra, ao Oriente, não ao Ocidente, não a este século. Você tem se ligar ao todo disso, a toda a existência.

Mas isso é mais alto do que o indivíduo. A massa é uma cilada. A turba está sempre aí para puxá-lo para baixo. E isso acontece com os supostos religiosos. Ichazo não é verdadeiramente religioso para mim. Ele reuniu técnicas daqui e dali, ele é muito eclético. Ele reuniu algumas técnicas do trabalho de Gurdjieff, dos súfis. Ele é um técnico. Ele conhece a tecnologia, mas não conhece a meta. E ele mesmo não a atingiu. Mas, tecnicamente, ele é muito, muito perito, habilidoso. Seu movimento, Arica, pode se tornar num movimento fascista a qualquer dia. Esse movimento cria uma espécie de fascismo nos seus seguidores.

Há alguns aricanos aqui – ex-aricanos, deveria dizer. O modo dos aricanos é muito político. Há alguns meses, Amida – Amida esteve muito próxima a Ichazo, durante muitos anos – recebeu uma carta dizendo que ela estava expulsa. Expulsão é algo basicamente político. Como você pode expulsar? O que você quer dizer com expulsar? Isso é monopólio. Ela veio até mim; assim, ela está expulsa de Arica. Agora, meus livros e fitas não são permitidos lá. Nenhum aricano tem permissão de ler meus livros. Isso é político. Que absurdo! Isso é monopólio, possessividade. É assim que a política entra no ser.

Uma mente religiosa é uma mente aberta. Você tem de ver, você tem de ouvir todo mundo, você tem de aprender de todo mundo. Você não pode ficar fechado. Estando com um Mestre realmente iluminado, você se torna muito, muito aberto à existência, completamente aberto. Você fica aberto até ao Diabo, se ele vier ensinar alguma coisa. Você ficará aberto e aprenderá e confiará em si mesmo. Não há nenhum medo, porque você conhece a si mesmo – ele não pode enganá-lo.

Essas pessoas que ficam muito amedrontadas de que alguém possa sair do curral, que possam ficar ligadas a outra pessoa, estão basicamente duvidando de sua própria filosofia. Elas não acreditam em suas próprias filosofias. Elas sabem que, em algum lugar, alguma coisa pode ser melhor; em algum lugar, alguém pode ser mais elevado, e que as pessoas irão lá e os deixarão. Seu medo é o de perder seguidores; assim, eles criam Muralhas da China ao redor deles mesmos.

Não, isso nunca acontece quando há uma pessoa religiosa. Ela lhe dá seu amor, ela lhe dá seu ser, ela lhe dá sua sabedoria, e o deixa livre. E você pode continuar aprendendo e cada aprendizagem lhe mostrará que seu Mestre está certo. Essa é a confiança. Aonde quer que você vá, mesmo que vá a alguém que seja contra mim e você o ouça, se eu estiver certo, o fato de você ouvi-lo provará que eu estou certo. Não será uma perda, você ficará mais rico.

Confiança não precisa de nenhum medo, amor não precisa de nenhum medo. Mas não é amor, não é confiança, é simplesmente medo – um medo está sendo criando. Se você for a algum outro lugar, você será expulso. E as pessoas têm medo de coisas como expulsão. É um partido comunista ou o quê? Expulsão!? As pessoas têm muito medo de serem expulsas, porque elas querem pertencer a algum grupo, porque elas não têm alma própria. No grupo, elas se sentem bem, elas pertencem a uma certa comunidade – os escolhidos, a elite, os arautos de um novo mundo que está para vir. Os líderes do novo mundo, os super-homens, a primeira classe dos super-homens. Elas se sentem bem.

Mas isso você só sente em um grupo; quando você está sozinho, você se torna suspeitoso. E quando você está em um grupo, você não precisa sentir responsabilidade. O grupo a toma de você, você fica relaxado, o grupo toma conta.

Você foi educado na dependência. Primeiro você era dependente de seus pais. Depois, você fica dependente de sua própria família – a esposa, o marido –; depois, você fica dependente dos seus filhos. Você sempre viveu uma vida de dependência – da sociedade, do estado, da igreja, da família, da comunidade. Você viveu uma vida de dependência.

Assim, quando você vai a um Mestre, você novamente quer alguém para depender. Mas o verdadeiro Mestre não o ajudará a depender dele, um verdadeiro Mestre tentará torná-lo independente. Todo seu esforço será o de que você fique sobre os seus próprios pés, de que você realize o seu próprio ser. É isso o que o povo zen faz.

Eu estava lendo ainda noutro dia...

Um jovem ia a Hui Neng repetidamente. Hui Neng era muito áspero. Somente os Mestres do Zen podem ser ásperos. Por quê? Porque se eles realmente querem que você seja independente, eles são ásperos. Ele esbofeteava o tal jovem, batia a porta na cara dele, gritava com ele... – e uma vez ele o jogou pela janela e ele caiu cerca de quatro metros dentro de um poço; e não apenas isso: depois, Hui Neng olhou pela janela e riu.

Certamente, o homem o deixou. Aquela foi a última gota. O bastante. Ele partiu imediatamente e não voltou durante um ano. Ele foi até outros Mestres e aprendeu muitas coisas e viajou por vários lugares e um dia, sentado silenciosamente numa caverna, ele se iluminou – o primeiro satóri aconteceu. E, depois, você sabe o que ele fez? Ele correu de volta a Hui Neng para lhe agradecer. No dia em que o satóri aconteceu, ele percebeu que exatamente a mesma situação havia sido criada quando ele tinha sido jogado no poço. Ele tinha perdido.

Mas agora ele sabia, porque agora ele havia chegado àquele ponto, ele havia chegado àquela situação interiormente. Bem no momento anterior ao satóri ter acontecido, ele ficou surpreso ao ver que aquela era a mesma situação interior que Hui Neng dera um jeito de criar quando o jogou pela janela e quando olhou para baixo e riu. E ele perdera! Aquele homem tinha tremenda compaixão.

Ele voltou correndo para ele. Tocou seus pés e disse: “Mestre, eu lhe agradeço. Agradeço por ter sido tão áspero comigo. Agradeço por nunca me ter ensinado nada, exceto bater-me. Agradeço por tudo que você fez por mim”.

Um Mestre verdadeiro quer um discípulo para que ele mesmo se torne um Mestre por conta própria. Mas comumente você mesmo não quer essa independência, você quer alguém para se apegar. Você quer estar agregado. Você quer alguém que seja muito autoritário, alguém que se sente num trono mais alto e lhe diga: “Não se preocupe, vou tomar conta de você. Esqueça-se de tudo sobre tudo. Estou aqui; tomarei conta. Você simplesmente venha e me siga”.

Mas se alguém for assim, lembre-se de que este é um sinal seguro – essa autoridade, esse tomar conta da responsabilidade das pessoas – este é um sinal seguro de que o próprio homem quer pessoas dependendo dele. Ele é dependente dos seus dependentes. Ele gosta disso. Ele ama a idéia de que tantas pessoas sejam dependentes dele. Ele mesmo é um dependente, lembre-se: ele não é diferente de você. Trata-se da mesma viagem pelo outro lado. Se todos o deixarem, ele sofrerá tanto quanto você sofreria. Às vezes, ele pode sofrer mais, porque seu investimento é maior. Se você deixar um homem como Ichazo, se todos os seus seguidores desaparecerem, ele pode ficar louco ou pode cometer suicídio. Ele ficará muito abalado, tremerá, não saberá o que aconteceu, perderá toda a sua autoconfiança. Ele ganha toda sua autoconfiança quando ele olha nos seus olhos e vê que você está olhando para ele e você sente que ele está certo, que ele é verdadeiro, que ele é um Mestre. Quando ele vê que você olha nos seus olhos, quando ele vê esse reflexo em seus olhos, ele sente confiança. Sim. É assim mesmo. Trata-se de uma ilusão mútua.

Minha abordagem é absolutamente não-política, desse modo, é absolutamente individual. E essa é a abordagem religiosa como tal. A religião permanecerá individual, nunca se tornará um fenômeno coletivo – não pode. A política sempre se tornará coletiva, jamais será individual.

A política é coletiva, a religião é individual, a espiritualidade é universal. Lembre-se disso.

Osho, Zen: O Caminho do Paradoxo, Vol. I, # 10
Copyright © 2010 Osho International Foundation